As forças policiais encolheram no Brasil, na última década. É o que apontam dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgados nesta terça-feira, 27. Segundo as informações, entre 2013 e 2023, o contingente de policiais sofreu redução de 6,8% no país. O total de policiais civis e peritos também encolheu em 2% no mesmo período. O número de policiais civis e peritos também encolheu em 2% no mesmo período. Em números exatos, o Brasil conta atualmente com 404.871 PMs, 95.908 policiais civis e 17.991 peritos criminais ativos. Dez anos atrás, a Polícia Militar (PM) contava 434,5 mil agentes, já abaixo do previsto pelos Estados, que era 584.462. A quantidade atual de policiais equivale a 69,3% das vagas existentes para a corporação. Nas Polícias Civis do Brasil, a quantidade de efetivos (95.908) equivale a 63,5% das vagas disponíveis.
Problema não é salário
As estatísticas fazem parte da pesquisa Raio X das Forças de Segurança Pública do Brasil, estudo inédito que também aponta que os salários de policiais, em média, é de R$ 9 mil, contra a média de R$ 5 mil do restante do funcionalismo público. As folhas de ativos e inativos da Segurança Pública respondem por 23% do total de gastos dos Estados com pessoal, sendo que o salário médio dos inativos é ainda maior: R$ 11 mil ante R$ 6 mil para as demais carreiras. De acordo com o estudo, 33 mil dos 739 mil policiais e guardas do país (5,4%) receberam salários acima do teto do funcionalismo em 2023 (R$ 39.293).
Segundo Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o modelo de segurança pública inviabiliza por completo qualquer ideia de aumento de efetivos. “Em razão dos custos fiscais e previdenciários, esse modelo acaba sendo perverso com os próprios policiais, ao gerar distorções dentro das carreiras, com desvios de função demasiados”, afirmou. “O sistema custa caro e é ineficiente, o que faz a população ser cada vez mais refém da insegurança e do medo”, complementou.
Tamanho da segurança
Um dos objetivos dos pesquisadores do Fórum é entender qual seria o tamanho ideal para a força policial no Brasil. Não há um padrão internacional de referência e, no caso do Brasil, as diferenças regionais dificultam a resposta. “Além das restrições objetivas de disponibilidade orçamentária para cada localidade, é preciso que se faça uma avaliação qualitativa dos diversos fatores que impactam nas dinâmicas criminais de determinada região”, explica o diretor-presidente. Segundo os pesquisadores, a definição dos efetivos pode ser observada por quatro diferentes abordagens: a que a fixa de acordo com o tamanho da população, a que trabalha com um efetivo mínimo determinado pelos comandantes, a abordagem em razão do orçamento autorizado e, por fim, aquela em razão da carga de trabalho realizado. Para critério de comparação, nos Estados Unidos, prevalece o critério per capita para a fixação do efetivo. Lá, a média é entre 1,8 e 2,6 policiais por mil habitantes.
O artigo 13 da Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil prevê que a distribuição de efetivos deve considerar o índice analítico de criminalidade e de violência das região, a especialização da atividade investigativa por natureza dos delitos; bem como população, extensão territorial e densidade demográfica. A lei orgânica da Policia Militar diz que a distribuição de seu efetivo deve obedecer a extensão da área territorial, a população, os índices de criminalidade, os riscos potenciais de desastres, o índice de desenvolvimento humano e as condições socioeconômicas da unidade federada ou dos territórios, entre outros, conforme as peculiaridades locais. Não são explicados, portanto, os critérios para fixar o total de homens, apenas a maneira como eles serão distribuídos.
O estudo aponta que 15 Estados atualmente apresentam percentual de ocupação de vagas da PM abaixo da média nacional e desses, quatro Estados tem percentual de ocupação abaixo dos 50%: Goiás, Amapá, Santa Catarina e Paraíba. Ceará, Roraima e Tocantins são os únicos que apresentam efetivo acima do previsto. No Amapá, 96% das vagas na PM estão preenchidas.
Modelo de segurança reativa
Os dados confirmam a hipótese dos pesquisadores de que no Brasil impera um modelo reativo de segurança pública, o que significa dizer que os governos estaduais, em sua maioria, priorizam em suas escolhas as ações de enfrentamento realizadas pelas polícias militares, em detrimento das ações de investigação, inteligência e planejamento, predominantemente realizadas pelas polícias civis, de acordo com os pesquisadores.
Eles apontam ainda que os “resultados dessas escolhas muitas vezes são trágicos, como atestam, por exemplo, os elevados números de mortes por intervenções policiais no Brasil”. Os pesquisadores acreditam que essa forma de governança da segurança pública, pautada no enfrentamento, tem dado protagonismo operacional e político às PMs, que têm recebido as maiores fatias dos orçamentos estaduais destinados às polícias. “As Polícias Civis, por sua vez, têm enfrentado mais dificuldade de reposição de seus quadros, de modernização de infraestrutura e de atualização frente às inovações tecnológicas”, afirmam.
Em oito Estados, o total de inquéritos em 2022 é menor do que em 2021, evidenciando queda na capacidade investivativa. São eles: Acre, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Minas, Rio e São Paulo. Outra questão é o contínuo envelhecimento dos quadros efetivos. De acordo com o levantamento, apenas 3,1% dos delegados de polícia ingressaram na carreira há menos de um ano, enquanto enquanto 32,6% já atuam há um período entre 11 e 20 anos, e 16,9% há mais de 26 anos. “Olhando especificamente para as Unidades da Federação, é possível notar que a diferença geracional é ainda maior. Nos Estados da Paraíba e de São Paulo, os 34,6% dos delegados possuem mais de 26 anos de carreira, sendo que, na Paraíba, 32,9% têm mais de 30 anos na instituição”, afirmaram.
Rodolfo Laterza, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), comenta que o déficit acarreta em fragilidade no atendimento e na incapacidade de atender a as ocorrências. “Com a falta de profissionais, se torna necessário ter seletividade de casos e dar prioridade à investigação das ocorrências mais graves, como homicídios, sequestros, violência doméstica e familiar. O ideal seria que a gente conseguisse se debruçar sobre o todo”, explica. O soldado Marco Prisco, presidente da Federação Nacional dos Praças (Anaspra), que representa policiais e bombeiros militares, aponta a falta de valorização da categoria, como a questão salarial, “horrível”, e outras questões como falta de plano de carreira, baixas expectativas, alto número de homicídios e até de suicídios. “Vários policiais são assassinados no Brasil inteiro e não vemos política séria para diminuir essa realidade”, diz. “O policial militar faz juramento para dedicar a sua vida ao próximo sem saber quem é. Quando o policial militar morre, o Estado morre junto com ele.”
O Estado de São Paulo foi palco de uma escalada de violência contra policiais nas primeiras semanas do ano, com ataques a agentes em serviço e de folga. Após os assassinatos de PMs na Baixada Santista, o governo iniciou nova operação de policiamento ostensivo na região e chegou a transferir o gabinete da Secretaria da Segurança Pública para Santos. A Operação Verão teve mais suspeitos mortos (30, até 21 de fevereiro) do que a Operação Escudo, que aconteceu no litoral no 2º semestre do ano passado. A Ouvidoria das polícias e parentes dos mortos falam em suspeitas de abusos e o governo tem afirmado investigar os casos.
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