Os cânticos racistas proferidos por torcedores do Valencia no duelo contra o Real Madrid, no último domingo, 21, foram a gota d’ água para Vinicius Júnior. Imediatamente, o atacante chamou o árbitro, apontou para um dos responsáveis pelos atos discriminatórios e gerou uma grande repercussão sobre o preconceito racial em jogos do Campeonato Espanhol. Além de receber apoio de seu treinador, Carlo Ancelotti, o brasileiro também foi apoiado por astros do esporte, pelo governo brasileiro, que cobrou punições aos envolvidos, e até pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Assustada com a onda de críticas, a Federação Espanhola prometeu mais rigor para quem cometer este tipo de crime nos estádios, enquanto a LaLiga pediu mais poderes para punir os infratores. Primeiro-ministro do país europeu, Pedro Sánchez também repudiou os ataques. Uma investigação fez com que a polícia espanhola prendesse sete envolvidos por crimes de ódio contra Vini Júnior – todos foram liberados e continuarão na mira da Justiça. Apesar da movimentação, o caso não fez com que o debate sobre o racismo contra pessoas pretas “furasse a bolha” do futebol.
Em entrevista ao site da Jovem Pan, o jornalista Rubén Jiménez, do site “Marca”, um dos principais da Espanha, afirmou que o caso deve fazer a Federação Espanhola e a LaLiga tomarem providências, mas não mudará a discussão sobre racismo no país. “É um debate complicado, porque há muita gente que não aceita que haja racismo na Espanha. Muitas pessoas não aceitam que seus pensamentos sejam racistas e dizem que a culpa é do Vinicius pela provocação ou que é apenas mais um insulto que se ouve em um campo de futebol. Mas as instituições, os clubes e a LaLiga ficaram com medo porque foi dada uma imagem racista do futebol espanhol. Agora eles realmente vão tomar decisões e haverá mudanças para evitar que isso continue acontecendo.
A repercussão internacional tem sido muito grande e muita gente tem se assustado, porque, no fundo, futebol é um negócio e falar mal do seu negócio é ruim”, analisou o profissional. “Tenho medo de que ele [o debate] permaneça apenas no futebol ou no esporte. O debate mal chegou ao resto da sociedade, ao que acontece aqui com imigrantes e pessoas de outras raças. Só com os jogadores de futebol. Acho que vai mudar para sempre no esporte, porque serão aplicadas penalidades mais duras e haverá mais conscientização. Mas não será um debate que sirva a trabalhadores imigrantes na Espanha e pessoas que sofrem com o racismo social no dia a dia”, acrescentou.
Para o jornalista brasileiro Victor Boni, que mora na Espanha desde outubro do ano passado, a discussão sobre o tema no país europeu está atrasada em relação ao Brasil. “Observa-se isso em usos de expressões no dia a dia, no trato sobre o tema em geral. Ainda há muitos componentes da imprensa que tentam, mais do que atacar o problema, defender a ‘honra’ da Espanha. Defender que não é um país racista e que foram apenas casos isolados”. No entendimento do colaborador do “Marca”, o debate só virou pauta nos veículos de comunicação porque a imagem do torneio foi “arranhada” com a repercussão.
“Como a imagem do país foi arranhada internacionalmente, digamos assim, acredito que provocou essa atenção maior ao caso e ao tema do racismo em si. Tanto que a cobertura nos episódios passados foi muito menor, sempre tentando justificar os atos racistas com a faceta ‘provocadora’ do Vini. E as consequências também nunca foram muito grandes para os envolvidos, pelo menos até agora”, completou Boni.
Vinicius Júnior já foi alvo de atos racistas pelo menos nove vezes na temporada 2022/23. Por meio das redes sociais, o cria da base do Flamengo até compilou os ataques em um vídeo, cobrando punições aos torcedores rivais. O jogador brasileiro, entretanto, não é o único negro do Real Madrid, que também conta com Éder Militão, Rodrygo, Camavinga e Rudiger, por exemplo.
Para o jornalista espanhol Juan Castro, o craque é “perseguido” porque é o principal atleta da equipe e não costuma levar desaforo para casa. “Porque o Vini é muito protagonista no time, é um dos melhores jogadores do mundo. Além disso, sua atitude é sempre de confrontar o público adversário, está sempre falando com os torcedores. Os rivais também batem muito nele, ele é sempre o foco”, analisou.
Preconceito no futebol europeu
Última torcida a proferir insultos discriminatórios contra Vinicius Júnior, os valencianos colecionam um histórico problemático. Em 1992, torcedores abriram uma bandeira nazista antes de um jogo contra o Albacete – o técnico do time, o holandês Guus Hiddink, fez a arbitragem retirar o objeto. O preconceito, entretanto, não se restringe ao Valencia. Em 1997, o lateral esquerdo Roberto Carlos, então no Real Madrid, foi chamado de “macaco” por torcedores do Barcelona. Já Daniel Alves, ídolo dos catalães, viu um homem atirar uma banana em sua direção durante o duelo contra o Villarreal, em 2014 – o ala comeu a fruta em seguida. Apesar dos casos recorrentes, as autoridades espanholas nunca tomaram uma postura tão incisiva como a do episódio envolvendo Vini.
O racismo no futebol europeu, vale ressaltar, não ocorre apenas na Espanha. Na Itália, o zagueiro senegalês Kalidou Koulibaly, um dos ídolos do Napoli, já sofreu racismo em partida da Série A. Na Rússia, o atacante brasileiro Hulk, então no Zenit, também ouviu cânticos preconceituosos. Até os ingleses Bukayo Saka, Jadon Sancho e Marcus Rashford foram discriminados após o “English Team” perder a Eurocopa 2020 para a Itália, em Wembley. Nos países periféricos do Velho Continente, a situação não é diferente.
Em contato com a reportagem do site da Jovem Pan, o ex-jogador brasileiro Cesinha também afirmou que viu de perto uma situação quando atuava na Macedônia do Norte. “Eu presenciei alguns casos de racismo com os meus companheiros de time. Em uma partida pela liga da Macedônia, um torcedor imitou macaco e fazia um gesto como se estivesse comendo banana em provocação ao Washington, um brasileiro que jogava junto comigo na época.
Teve um outro caso jogando contra a equipe do Renova, de origem albanesa, em que um atleta adversário chamou um outro companheiro meu, o Georges, de ‘macaco’ e desferiu uma cusparada nele”, contou. “Na época [2013] não houve nenhum tipo de campanha, nem por parte dos clubes ou da federação local”, arrematou.
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